Estabelecer e manter a qualidade do conhecimento clínico é visivelmente a área dos próprios médicos especializados. Este é um princípio amplamente aceito para a gestão e governança das ferramentas de conhecimentos clínicos tradicionais. No entanto, esta hipótese necessita de reavaliação quando é necessário estabelecer qualidade, segurança e “adequação à finalidade” de conhecimentos clínicos computáveis que povoam os sistemas de Registro Eletrônico de Saúde (RES).
O conhecimento clínico tem sido tradicionalmente criado e compartilhado por meio de processos formais de publicação e de revisão que foram julgados por comitês de especialistas clínicos. Os peritos desses comitês foram nomeados através de um processo de credenciamento e tiveram competência e supervisão sobre todo o conteúdo publicável. Antes do surgimento da internet, reuniões cara a cara eram usadas na maior parte do trabalho da comissão, com isso o processo tem sido, na maioria das vezes, lento e caro. O custo de oportunidade de cada médico participante tem sido alto além das recorrentes interrupções devido às suas atividades clínicas. As revisões dessas publicações eram feitas em uma data posterior, o processo era repetido, gastando um tempo considerável, dinheiro e recursos.
Certamente, nos últimos tempos, tem havido mais ferramentas eletrônicas para apoiar estes processos – e-mails, teleconferências e videoconferências melhoraram a logística do processo, mas, essencialmente, o processo permanece inalterado.
Dado o crescente deslocamento de registros eletrônicos de saúde, há um movimento paralelo para desenvolver e compartilhar conteúdo clínico computável, as definições podem ser criadas, publicados e implementados por: múltiplas disciplinas clínicas; generalistas e especialistas; organizações de atenção primária, secundária e terciária; planejamento de saúde da população; pesquisadores clínicos; e sistemas de conhecimento habilitados como aplicativos de apoio à decisão clínica. Eles precisam ser independentes e de linguagem traduzível, a fim de transportar informação em saúde para além das fronteiras nacionais.
Estes tipos de modelos clínicos computáveis precisam da entrada de muitos especialistas, médicos e outros, para provar que eles não são apenas úteis clinicamente, mas também apoiar o uso de dados seguros no RES. Estes modelos estão cada vez mais sendo criados com metas ambiciosas – para criar uma vez e então reutilizar muitas vezes. Neste caso, o alcance dos modelos precisa incluir requisitos de toda a amplitude das profissões clínicas e especialidades. Os médicos continuam sendo essenciais para o seu desenvolvimento e publicação, mas eles também exigem a entrada de:
Outros especialistas de domínio – não-clínicos que vão querer ou precisar usar esses mesmos modelos para fins não-clínicos, tais como o uso de dados secundários;
TI – que entendem como esses modelos serão a base para o registo de informação de saúde, a troca entre sistemas, relatórios, agregação de dados e atividades baseadas no conhecimento.
Terminólogos – para garantir que os modelos se integrarão com a apropriada terminologia de conjunto de valores;
Técnicos – que irão informar sobre os impactos técnicos desses modelos nos sistemas; e
Tradutores – garantirão que a informação clínica será fielmente transformada de uma língua para outra.
Existem muitos exemplos de modelo desses conteúdos clínicos computáveis e são variados. Existem códigos abertos e modelos proprietários de diferentes filosofias, arquétipos, moldes, modelos clínicos detalhados etc. Nos ultimos anos as tentativas de ampliar a contribuição para a criação desses modelos aumentou e começaram a padronizá-los – regionalmente, nacionalmente e até mesmo internacionalmente. Nesse novo paradigma, a tradicional abordagem para o desenvolvimento de conteúdo clinico, gestão e governança não são mais suficientes.
Quando toda a amplitude, profundidade e natureza dinâmica do conhecimento clínico é considerada, não é necessário nomear uma comissão para fornecer “assinatura” final sobre a “correção” clínica para qualquer modelo. Cada modelo de conhecimento clínico vai exigir a entrada de grupos variados de médicos especialistas, terminólogos, TI e técnicos, dependendo do conhecimento clínico em análise. Precisamos encontrar abordagens inovadoras para colaboração online e assíncrona de uma ampla gama de indivíduos de diversas origens, experiência e localização geográfica para garantir que esses modelos sejam adequados para uso em sistemas clínicos.
Padrões de normalização tradicionais, tais como ISO, CEN ou HL7 tem processos bem definidos e fixados para o gerenciamento do ciclo de vida de normas técnicas por meio de um processo formal de votação com órgãos membros registrados. Não são adequados para gerir e governar uma biblioteca de especificação de conteúdo clínico evolutivo e dinâmico.
Tem havido algum trabalho inicial sobre o estabelecimento de critérios abstratos de qualidade por QREC e, mais recentemente, a ISO TC 215 Grupo de Trabalho 1 estabeleceu um novo item de trabalho, 13972, que é o estabelecimento de “critérios de qualidade para os modelos clínicos detalhados”. Porém, nenhum foi capaz de estabelecer a qualidade no exemplo para uso no mundo real.
Eu acredito que HL7 está trabalhando para estabelecer um repositório de modelos. Pelo que entendi, ele vai funcionar como um serviço de indexação para modelos que serão armazenados em servidores distribuídos. Outros podem ser capazes de fornecer mais detalhes.
Outro trabalho, que eu não tenho conhecimento, sem dúvida, está ocorrendo. E, claro, cada sistema clínico tem que estabelecer o conteúdo clínico que irá usar em seu próprio modelo de informações privadas. Os EUA conta com milhares de fornecedores de software clínicos, isso significa que nós temos milhares de diferentes versões computáveis de conteúdo clínico essencialmente idêntica, mas nada disso troca informação – o que é um enorme desperdício de recursos! Precisamos mudar esta maneira míope de pensar.
O openEHR Clinical Knowledge Manager (CKM) é o único recurso de conhecimentos clínicos on-line, que eu saiba, que está apoiando a colaboração de médicos, outros especialistas de domínio, TIs, técnicos e tradutores para alcançar um consenso sobre qualidade e segurança em modelos de conteúdo clínico – neste exemplo, protótipos openEHR. Eu estou diretamente envolvido no desenvolvimento desta ferramenta, e sou ativo como um editor para facilitar o processo de revisão dos protótipos.
Enquanto CKM é um dos primeiros Web2.0 com abordagens de colaboração sobre modelos de conteúdo clínicos, estou certo de que haverá mais ao longo do tempo. Falei com vários especialistas de Gestão do Conhecimento, e para minha surpresa, ninguém ainda foi capaz de apontar-me as ferramentas semelhantes, recursos que instituem qualidade dentro de um ambiente Web 2.0. Será que somos realmente pioneiros? Certamente existem abordagens semelhantes em outros domínios do conhecimento?
Não importa. Não há dúvida de que estamos apenas nos estágios iniciais de uma transformação na governança do conhecimento clínico e temos muito a aprender sobre como estabelecer critérios de qualidade em um ambiente Web 2.0.